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Lu Xun e os heróis tão perfeitissimamente pequenos

August 27, 2019

Lu Xun e os heróis tão perfeitissimamente pequenos

Uma formiga preta avança sobre o muro de uma casa de Tavira, entre parras de uva, sinos-amarelos e bem perto de uma parede cheia de valor arqueológico. Observo-a, pequena mas não ao ponto de ser invisível a três metros de distância, com a luz amarela do lampião a acertar-lhe. Observo-a, incerta, passeando nesta noite de Verão, até que desaparece por entre as refregas pedregosas da cidade velha.
O escritor chinês Lu Xun (1881-1936) gostava de mirar os insectos nocturnos chocando contra o vidro da lanterna e o quebra-luz, numa inconsciente viagem rumo ao fogo que os consumiria. Insectos e flores que ele escrevia a 15 de Setembro de 1924 numa China convulsa – mas a natureza, as mais das vezes, não quer saber das convulsões políticas.

A cabeça é grande, a cauda é curta. Tem a forma de uma semente de girassol. Mas o seu tamanho não será mais que metade de um grão de trigo. A cor é verde jade. De encantamento. Bocejo, acendo um cigarro, expulso uma longa nuvem de fumo e, em frente à lanterna, em silêncio, presto o meu respeito a estes heróis. Verde jade. Tão perfeitissimamente pequenos.

Acendo um cigarro para pensar no que quereria Lu Xun dizer com isto. Porque lê-lo é fazer este exercício constante: ir além do evidente e do superficial, descer aos subterrâneos para onde vão todas as formigas quando deixamos de vê-las em cima de um qualquer muro de pedra. Ervas Silvestres, livro publicado na saudosa Série Oriental da editora Cotovia, reúne textos de Lu Xun, incluindo este, “Uma Noite de Outono” do século passado, apesar de estarmos no Verão e de a confusão ser evidente, não fossem as mãos de Glenn Gould que descobri num romance de Thomas Bernard andarem por aqui a desbravar os caminhos de Bach.
Um artigo do New York Times sobre Lu Xu começa assim: “Este é um momento deprimente e assustador para a maioria dos escritores chineses, um período em que eles não se atrevem a desafiar o Governo e têm resignadamente de deixar os seus melhores manuscritos nas gavetas das suas secretárias.”  É um texto de 1990. Podia ser um texto de 2019.
Lu Xun morrera muitos anos antes e, mesmo assim, um ano depois de Tiananmen, o New York Times dedicava-lhe um longo artigo com o título “China’s Greatest Dissident Writer: Dead But Still Dangerous. É que a história tem esta mania de se repetir e uma passagem de Lu Xun tornara-se então símbolo de resistência:

Se a China não perecer, então, como nos diz a história, o futuro reserva uma surpresa tremenda para os assassinos. Isto não é a conclusão de um incidente, mas um novo começo. Mentiras escritas a tinta nunca podem mascarar factos escritos a sangue. As dívidas de sangue devem ser pagas em género: quanto maior o atraso, maior o juro.

The New York Times, 1990

Lu Xun escreveu estas linhas a 18 de Março de 1926, depois de militares dispararem sobre manifestantes que protestavam em Pequim contra a China imperialista e os senhores da guerra, e matarem pelo menos 40 pessoas.

Então nós, chineses, estamos destinados a perecer miseravelmente a menos que estejamos dispostos a ser escravos sem um murmúrio.

Tudo em Lu Xun parece eterno por ser actual, atemporal, preciso, por ser agora. Em “Esperança” escreve sobre uma juventude vaga e triste, que não deixa por isso de ser juventude. A máscara da esperança, enganadora, não lhe parece suficiente para enfrentar a noite do meio-dia, e cita o poeta e revolucionário húngaro Sándor Petőfi, um dos muitos autores europeus e russos que apreciava.

O que é a esperança?
A esperança é uma prostituta
Que a todos engana e a todos se oferece.
Até tu lhe sacrificaste o mais valioso
Da tua juventude,
E ela vai-te abandonar.

Conclui que o sem sentido do desespero é o mesmo que o da esperança. E, apesar de tudo, de não haver estrelas nem luar, nem borboletas caídas nem conversas disparatadas que façam sorrir, apesar de mesmo tudo, os jovens ainda são jovens. Quem se lembra disto, hoje, nesta noite cheia de nada da China?
“Papagaios” é um novelo que se desenrola até à infância de Lu Xun, passada em Shaoxing, na província oriental de Zhejiang, e a um seu episódio de maldade, quando destruiu um papagaio do irmão mais novo, por achar aquela brincadeira preguiçosa e desinteressante. Muitos anos depois, Lu Xun recorda o incidente e o coração pesa-lhe. Procura falar ao irmão mas, para seu espanto, o irmão esquecera-se por completo. E aí percebe que o perdão sem anterior ressentimento é qualquer coisa que não tem razão de ser. Esta viagem à terra natal empurra-o também para uma tristeza sem nome, um Inverno frio de afecto.
Como um insecto desaustinado, o “Caminhante” de Lu Xun não sabe de onde veio nem para onde vai, não sabe sequer o seu nome – teve vários, os que lhe davam, sempre diferentes. Não menos perdido está o homem de “O inteligente, o estúpido e o escravo”. O escravo sofre incessantemente os maus tratos do seu senhor, trabalha de sol a sol, come o que nem os animais querem comer, vive num quarto húmido, sem janela, enfeitado de carraças e percevejos. Queixa-se então a um homem inteligente, que lamenta as suas penas e lhe diz que pouco a pouco a coisa há-de melhorar. Outro homem, evidentemente estúpido, ouve os lamentos do escravo e o modo como é tratado pelo seu senhor e grita: “Que filho da puta!” Pede ao escravo que lhe mostre o seu quarto e, lá chegado, começa a escavar numa das paredes. “Mas que faz?”, pergunta-lhe o escravo. “Estou a abrir uma janela para ti.” O escravo, então, põe-se aos berros, dizendo que há um ladrão em casa e o homem evidentemente estúpido é posto na rua. O seu senhor, satisfeito com a actuação do escravo, diz-lhe: “Tu foste impecável”. E o escravo congratula-se pelo elogio, continuando a viver nas mesmas condições.
Em “E fechei os olhos”, Lu Xun está em Pequim (1926) e revisita manuscritos de jovens escritores, espalhados pela secretária. Este é um texto particularmente interessante por falar da obstinação do ser humano e das almas jovens. Tolstoi, por exemplo, escreveu uma novela porque uma silva insistia em dar uma pequena flor depois de sofrer um corte letal. A isso se chama perseverança.

Almas puras e delicadas. Mas eles sofrem de angústia e de dor e tornam-se irados até à violência. (…) A alma torna-se dura com o vento poeirento. Eu amo estas almas porque são almas humanas. Quero beijar esta dureza invisível mas coberta de sangue. (…) As almas dos jovens estão à minha frente. São violentos ou podem vir a sê-lo, mas eu amo estas almas sangradas e dolorosas. Fazem-me sentir que estou vivo neste mundo real.

Lu Xun foi testemunha de uma das maiores e mais galopantes transformações sofridas por um país tremendo. Depois da revolução de 1911, afirmou: “Antes da revolução nós éramos escravos. E agora somos escravos de antigos escravos”. Ele nunca viveu na China comunista mas adivinha-se qual seria o seu destino neste mundo real.
A conta de Twitter @luxunbot25, seguida por mais de 126 mil pessoas e que publicava excertos da obra do autor, foi encerrada em Julho deste ano, depois de as autoridades de Shenzhen terem convocado o operador da conta para uma conversa. Uma das últimas frases de Lu Xun publicadas naquele mural é esta: “Silêncio, silêncio! Se não falares para quebrar o silêncio, morrerás com ele.”

Sobre a obra

Título

Ervas Silvestres

Autor

Lu Xun

Ano

Janeiro 2015

Edição

Cotovia

Língua

Português

 

LU XUN (1881-1936) assistiu ao fim da China imperial e feudal, aos anos periclitantes da República, dominados pelos senhores da guerra, e à ascensão do Comunismo. Estudou na Academia Naval e na Escola dos Caminhos de Ferro e Minas. Aos 21 anos foi para a Universidade de Tóquio estudar japonês e Medicina, tornou-se também fluente em alemão e dominava alguma coisa de russo e francês. Traduziu obras de Julio Verne, Chekhov, Gogol, Gorki, Nietzsche, Victor Hugo e André Gide, entre outros. Regressado à China em 1909, foi professor na Escola Normal de Zhejiang, sua província natal. Depois da revolução republicana de 1911, rumou a Pequim como quadro do Ministério da Educação, ajudou ao lançamento daquela que viria a ser a Biblioteca de Pequim e do Museu de História da China. Foi em 1919 que publicou Diário de Um Louco, também parte desta edição portuguesa de Ervas Silvestres, com o mesmo título de uma novela de Gogol, seu escritor mais querido. A sua escrita abandona os cânones clássicos e é coloquial e vernacular, escreve como as pessoas falam, é o primeiro grande modernista da literatura chinesa. Ensina na Universidade de Pequim e na Escola Normal Feminina de Pequim, sendo uma acérrimo defensor dos direitos das mulheres. Depois do massacre de 18 de Março de 1926, em que vários dos seus estudantes são assassinados, tem de esconder-se para escapar ileso. Refugia-se em Xiamen e depois em Guangzhou, onde continua a sua actividade como professor. Frequenta Hong Kong e assume-se como grande opositor do Kuomintang e de Chiang Kai-shek. Apesar de nunca ter sido filiado no Partido Comunista, terá tido contacto com figuras importantes do partido e foi postumamente idolatrado por Mao Zedong. Mao gostava de fotografar-se à secretária com as obras de Lu Xun junto a si. Considerou-o “o mais ardente herói nacional, um herói sem paralelo” na história da China. Mas usou também as suas palavras para defender a brutalização dos intelectuais durante a Revolução Cultural. Revolucionário e nacionalista, progressista e conhecedor do ocidente mas sempre contra o modo abusivo como outras nações se aproveitavam da China, Lu Xun passou os últimos dez anos de vida em Xangai, onde foi visitado por diversos intelectuais ocidentais, sendo o episódio mais conhecido o do encontro com George Bernard Shaw. Em 1933, protestou junto do Consulado da Alemanha contra a perseguição dos judeus. Polémico, pessimista e melancólico, Lu Xun continua a ser o mais importante escritor da China moderna.

Um Comentário
  1. António Graça de Abreu

    Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem. Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem. Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem. Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem. Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem. Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem. Na cidade de绍兴Shaoxing, com Eça de Queirós, 鲁迅Lu Xun e umas taças de vinho O nosso Eça de Queirós (1845-1900), no que à China diz respeito, costumava ser rigoroso em tudo o que escrevia. Entusiasmado com a “chinoiserie” em voga na Europa da segunda metade do Século XIX, Eça estudou com gosto e procurou entender as coisas do Império do Meio e dessa aprendizagem nos dá largo e pontual testemunho ao longo da sua obra. Em Os Maias, surpreendentemente, surgem cinco referências à China, a última das quais, no cap. XVIII, é lapidar, exemplar e eterna: “Os anos vão passando, e com os anos, a não ser a China, tudo na Terra passa”. Mas é em “O Mandarim”, na descrição das aventuras do nosso Teodoro por Pequim e pela Manchúria que Eça de Queirós leva mais longe a sua acertada aproximação ao mundo chinês. No cap. IV, Eça faz uma deliciosa descrição de um almoço do Teodoro em Pequim, na casa do general Camilloff, adido militar na embaixada russa e esposo da jovem, delicada e loiríssima Vladimira que, nas ausências do general, aconchegava Teodoro à moda russa entre “os seus seios pequeninos e direitos” e lhe concedia exaltantes e depurados prazeres, comuns a todos os amantes, de todas as nacionalidades, tempos e paragens. Pois esse repasto com o plácido, ornamentado mas empreendedor general Camilloff, segundo Eça, foi “regado largamente de excelente vinho de Chão-Chigne”. O autor de O Mandarim refere-se, sem dúvida, ao vinho de Shaoxing ou Chaoching, famoso em toda a China há muitos séculos. Estive em Shaoxing em 1980, regressei em 2009. Três décadas depois reencontrei com prazer os cálices perfumados de vinho amarelo, visitei o museu do Vinho, bebi do licor da terra que inebria excelentes deuses e simples mortais. O centro histórico de Shaoxing não mudou, não muda há muitos séculos, continua vestido de brocado. A colina de Fushan está tão verde como outrora, sombreando o perpassar dos anos. Outra vez as casas baixas pintadas de branco desmaiado, os telhados de barro cinzento, os canais a circundar e a entrar por dentro do burgo medieval, as pontes em arco, as pequenas barcas, o lago Leste, Estamos em mais uma espécie de Veneza chinesa, mas Shaoxing é mais antiga do que a belíssima cidade dos doges. No século VI a.C. já era capital do reino de Yue, um dos muitos principados em que se dividia então a China, ainda não unificada. Nos subúrbios, na cidade vamos visitar o túmulo do mítico imperador Yu, o Grande, as fábricas e destilarias de vinho, ou melhor, de bebidas espirituosas e pouco alcoólicas obtidas a partir de fermentação do arroz e outros cerais. Nos arredores ou no centro da cidade, vamos encontrar meninas de Yue, das mais formosas do império, pétalas de seda, perfumando a brisa. Abrem na Primavera ou todo o ano. Três décadas depois revisitei também a casa onde nasceu Lu Xun (1881-1936), talvez o maior escritor chinês do século XX. Aqui viveu na sua infância e juventude, aqui se desenvolvem os enredos de alguns dos seus mais conhecidos contos, como a amarga, irónica e dolorida “Verdadeira História de Ah Q” ou o “Diário de um Louco”, de resto já com várias não muito brilhantes traduções portuguesas, hoje apenas acessíveis em bibliotecas ou alfarrabistas. Lu Xun assistiu ao fim da monarquia em 1911, viajou e estudou medicina no Japão, viveu numa China retalhada e dividida, num tempo de convulsões e permanentes guerras, entre restos de gente nostálgica do Império, republicanos e senhores de guerra, em anos de conflitos sangrentos entre nacionalistas e comunistas, com centenas de milhares de mortos. Por isso escreveu “Na China, a paz é o intervalo entre as guerras.” Membro da Liga dos Escritores de Esquerda, próximo das ideias socialistas de então, mas independente e livre, Lu Xun nos seus escritos sugestiona, cativa e quase fere o leitor, abrindo novos caminhos na moderna literatura chinesa. A sua casa, na bonita cidade velha, diante de um dos muitos canais que a atravessam, é um excelente museu. Shaoxing honra a memória de um dos seus mais ilustres filhos que em acutilantes ensaios, contos e poemas nos ajuda a entender a China de sempre e o homem, não apenas chinês mas universal, semelhante a todos nós, sob o sol, a névoa ou as intempéries de todas as latitudes. Lu Xun, um fumador inveterado, viveu os seus últimos anos em Xangai onde faleceu de tuberculose em 1936. Tinha 55 anos, exactamente a mesma idade com que em Paris, em 1900, fechou os olhos para sempre o nosso Eça de Queirós. No meu regresso a Shaoxing, vinho amarelo num cálice, Eça de Queirós vestindo uma cabaia chinesa, Lu Xun numa nuvem.

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