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“Sinofuturismo (1839–2046)”, o ensaio de Lawrence Lek que olha a China desde o futuro

June 19, 2019

“Sinofuturismo (1839–2046)”, o ensaio de Lawrence Lek que olha a China desde o futuro

Na promessa dos vislumbres do início de uma nova Era, a de maior influência oriental, despontam reflexões de ordens variadas sobre este futuro para o qual caminhamos, como é o caso do sinofuturismo, um movimento invisível, já incorporado num trilhão de produtos industriais, um bilhão de indivíduos, um milhão de narrativas veladas.

Sinofuturismo (1839–2046)” é o nome de um vídeo-ensaio de Lawrence Lek, artista chinês de origem malaia, nascido na Alemanha, criado no Reino Unido, que combina elementos de ficção científica, melodrama documental, realismo social e cosmologia chinesa, numa crítica aos dilemas atuais da China ou cidadãos da diáspora. O artista apresenta provocações sugestivas sobre o início deste suposto movimento, o ano de 1839, período dos embates travados entre um império oriental contra os subterfúgios de alienação ocidental, promovidos pelo que viria a ser declarada como a Guerra do Ópio.

Os entraves de outrora ainda presentes: as disputas travadas entre a “arte da guerra” e a realpolitik com pretensões de expansão territorial e também comercial. À época, uma população em consumo britânico em busca de suavizar a realidade. Agora, na pauta do dia, o levante de Hong Kong contra a aprovação de uma lei que permitiria extraditar cidadãos condenados em fuga para a China. Tema polêmico e complexo, assim como o deflagrado nas jovens manifestações no ano de 2013 no Brasil. É preciso, sim, ir para as ruas reivindicar, e é fundamental a clareza sobre quem e quais os interesses maiores por trás a comandar e a apoiar governos ou grandes massas. No caso do Brasil ficou a saber-se tempos depois que o grande financiador do movimento #VempraRua era a quinta fortuna do país, apoiante do neoliberalismo.

Mas voltando ao sinofuturismo, que a priori se faz maior do que tais indagações, por subverter a ordem da presença e atuação de Estados soberanos e, neste caso, o da China – autoproclamado Império do Centro (ou Meio) – pelo fato do movimento não se basear em indivíduos, mas em múltiplos fluxos sobrepostos. Ou seja, o processo de desenvolvimento chinês proporcionou fluxos de populações (passando de majoritariamente de uma população rural a urbana), fluxos de produtos (a invasão made in China), e fluxos de processos (a transição entre a revolução industrial e tecnológica em 30 anos). A intenção da conquista de lugar de império foi sim planejada minuciosamente, quinquenalmente. Esta conjuntura contemporânea da China, no entanto, não é sinônimo do sinofuturismo.

A China entrou já na segunda fase de seu processo de revolução tecnológica, desenvolveu sistemas, mecanismos e aplicativos próprios que avançam pela disputa neste cenário high-tech, comparado ao que foi outrora a Guerra Fria. Avançaram ao nível de não serem mais compreendidos, se valendo apenas de suas redes sociais, em detrimento de uma das mais poderosas empresas do século XXI, o facebook. E expandiram este saber para o nível do uso de big data, através da configuração de seu próprio sistema de crédito social chinês ou pelas combinações dos experimentos genéticos, climáticos, do uso combinado entre tecnologia e ciência e também saúde.

Depois é necessária força para partir, deslocar. Força tão presente na compreensão de cidadãos chineses em geral sobre a importância do papel do nacionalismo. Força sempre presente, que se manifesta no ato de ir embora, enfrentar novas dinâmicas, convivências, reexistências. E os chineses continuam agrupados em chinatowns, em tribos de pequenos afetos diante da realidade do não espaço, no sentido de tampouco ter desejado estar ali, mas da consciência da exclusão em seu próprio país. Eles calculam e imigram com base na falta de oportunidades que os filhos irão enfrentar, eles citam a dificuldade do Gaokao (vestibular/exames nacionais).

Por cá, no Brasil, estes também lutam pelo não lugar. Muitos são invisíveis. É esta reflexão das camadas de fluxos sobrepostos, da distopia, sugerida e atrelada em referências ao afrofuturismo ou ainda ao futurismo do Golfo, que o sinofuturismo se apresenta. Indica uma abordagem crítica e lúdica para subverter clichês culturais. Na mídia ocidental e nas percepções orientalistas, a China é exótica, estranha, bizarra, cafona, brega ou barata. Em sua mídia doméstica, a China é retratada como heróica, estável, histórica, grandiosa e unificada. Em vez de contrariar estas narrativas distorcidas, o Sinofuturismo propõe-se a elevá-las a um novo patamar.

(Continua…)

Ver aqui ensaio de Lawrence Lek

Foto de destaque: pixabay.com

 

Um Comentário
  1. João Sobral

    Que leitura maravilhosa

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