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Relação da Grande Monarquia da China

October 17, 2017

Relação da Grande Monarquia da China

Muitos poderão pensar que a literatura portuguesa só seria verdadeiramente projectada para a prateleira dos bestsellers internacionais com a atribuição do Nobel a José Saramago no penúltimo ano de século XX (8 de Outubro de 1998). Mas nada está mais longe da verdade. Isto porque séculos antes, mais concretamente em 1642, aparecia nos escaparates das livrarias de meia Europa um livro de um autor português completamente desconhecido que bateria todos os recordes de vendas desse ano. Superou mesmo, em popularidade, a crónica da viagem à China de Marco Polo. Aliás, o tema não diferia muito da obra do famoso veneziano. O autor do livro de que falamos era o padre jesuíta Álvaro Semedo e a sua obra chamava-se “Relação da Grande Monarquia da China”.
Apesar dos relatos de Marco Polo datados do século XIV, o pouco que se conhecia da China mantinha-se quase que confinado às repúblicas italianas onde noutros tempos terminava, ou começava, a “Rota da Seda”. O resto do velho continente continuava a ignorar o que seria o Celeste Império por mais alguns séculos. Isto até ao aparecimento do livro de Semedo que levava às capitais do Ocidente a primeira imagem detalhada e liberta de fantasias da China, o mítico império que os navegadores portugueses começaram a desbravar para o comércio e para a cultura europeia a partir de meados do século XVI.
Curiosamente, antes de ser publicada na língua de Camões, a “Relação da Grande Monarquia da China” foi impressa primeiro em castelhano. O livro de Semedo teve tal impacto na Europa culta desse tempo que seria sucessivamente traduzido e editado em italiano, holandês, francês e inglês, admitindo-se que possam existir outras tantas edições noutras tantas línguas. Apesar de todo o sucesso, a versão portuguesa só surgiria em 1731, ou seja, quase um século depois de ter sido dada ao prelo pelos editores castelhanos.
António Aresta, que introduz a edição mais recente de 1994  – a última tinha sido mais de 30 anos antes – escreve que o sucesso da obra se deve ao rigor com que o Celeste Império é descrito e analisado por Semedo. Refira-se que a história da sinologia faz nesse contexto jus ao autor que, embora tivesse estudado em Évora e em Goa, se pode classificar como um espírito estrangeirado. António Aresta assinala também o fortíssimo impacto causado pela obra de Álvaro Semedo na Europa culta, sobretudo na fermentação ideológica de um iluminismo que se abria a uma cosmovisão asiática, como o demonstraram, diz, Virgílio Pinot e Bernard Henri Maître, apontando a contribuição da China na formação do espírito filosófico europeu e nas relações do confucionismo com o cristianismo. Aliás, refere ainda o historiador, está conservado na Biblioteca Nacional de Paris o exemplar da “Relação da Grande Monarquia da China”, que pertenceu a Montaigne, “sendo ainda legíveis as copiosas anotações que foi apondo ao texto, o que denota um estudo metódico e uma leitura interessada”.
Depois de ter sido editado em português, pela primeira vez, com quase um século de atraso, a sua reedição não conheceria melhor sorte, pois só voltaria ao prelo na língua de Camões e em edição completa em 1956. E isto graças ao interesse e perseverança de Luís Gonzaga Gomes, ele também, tal como o próprio Álvaro Semedo, uma figura de múltiplos talentos e talvez o mais ilustre sinólogo macaense do século XX. A edição que refiro é de 1994, como disse antes, e foi publicada sob a chancela conjunta dos Serviços de Educação e Juventude e da Fundação Macau.
Diga-se finalmente que a “Relação da Grande Monarquia da China”, ao contrário do que se poderia pensar ainda hoje, não é obra exclusivamente destinada a eruditos, ou especialistas, mas também ao grande público pelo que o leitor, mesmo o mais distraído poderá encontrar neles alguns motivos de verdadeira surpresa.

Sobre a obra

Título

Relação da grande monarquia da China

Autor

Pe. Álvaro Semedo S.J.

Ano

1994 (primeira edição em língua portuguesa data de 1731)

Edição

Direcção dos Serviços de Educação e Juventude de Macau/Fundação Macau

Um Comentário
  1. António Graça de Abreu

    Meu caro João Guedes A considerar o notável trabalho que a Isabel Pina tem feito nestes últimos anos sobre o padre Álvaro Semedo. Abraço, António Graça de Abreu

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